O palhaço cansou-se de tantos risos. Ansiava por lágrimas.
Andava sempre perguntando a si: “como posso eu me por, se um dia nem mesmo a dor, consegue passar-se sem
impor?”.
O palhaço via o seu falso rosto descer pelo sujo
encanamento.
“Grito eu, ou espero
ser gritado?”, perguntava-se no seu velho tom engraçado.
O palhaço olhava o tempo passar, mas nem mesmo conseguia
entender o porquê. Almejava sempre o carinho da moça que vendia doces. Um dia,
sem nada a fazer, perguntou ao seu amigo imaginário – o chamava de “Eu” –:
“Sei ser eu, sem ser eu, Eu?”
“Sabes tu, ser tu, sem ser eu?”, retrucou o amigo.
O palhaço pensou. Por semanas refletiu a mesma pergunta:
“Como irei ser outro
alguém, se de mim mesmo sou refém?”
Os dias passavam e o palhaço cansava. Não havia sorriso.
Apenas o tímido sorriso de monalisa
era real.
Era dono de seu próprio reino, onde ninguém podia entrar,
apenas Eu.
“Eu, vistes o sorriso
que a moça que vende doces me deu?”
“Tu és palhaço. Um
sorriso ou um abraço, nada é real de fato”, respondeu o amigo.
Nunca pensara tanto. “Ninguém
sabe o que é sorrir comigo, apenas de mim e meu umbigo. Será que o nariz
vermelho que em mim há, há até quando no meu rosto não está?”, perguntava a
si. Encolerizava-se constantemente ao pensar que tudo o que vivera até ali não
passara de teatro. Ele era a peça.
“Eu, o que posso fazer para como gente comum viver?”
“Tu és palhaço. Tua
vida não tem próximo passo, apenas próximo ato”, respondia o amigo fiel.
“Por que és tão
infiel, mandando-me ingerir fel pensado que é mel?”, perguntava o palhaço
no ápice de sua fúria.
“Não sou real, ou
disso esquecestes? Sou tu, apenas tu, mostrando que razão palhaço algum um dia
teve.”
O amigo nunca machucara tanto o palhaço. Mas nunca o fizera
crescer tanto.
“Perdoa-me, eu. Sei
que sou tu, apenas tu, mas o que mais posso dizer se aquele que nasceu para ser
palhaço e outros alegrar, não consegue cantar uma nota solitária sem se
machucar?”
“Tudo bem está. Agora
olhas a ti. O palhaço feliz tornou-se grande como o pequeno menino que um dia
fiz.”
Pensara e percebera que crescera. Mas acima de tudo, notara
o que mais importava até então.
“Que sorriso tenho
eu?”
Passara toda a sua vida fazendo um ou todos rirem. Alegrava
pequenas crianças e lembrava que em uma era distante, menino também fora.
“Saudades das andanças
nos lugares distantes. Será que ainda sou bom com todos esses instantes?”, perguntara
ao amigo imaginário.
“Não cabe a ti essa
questão indagar. Quem primeiro perguntar ‘o nariz do palhaço frouxo está’,
terminará por completar”, respondeu o amigo.
O palhaço passara o resto de sua vida pensando, solitário e
envolto em reflexões que pareciam nunca ter um fim.
Velho já estava, palhaço jovem continuava a ser. Alegrar os
outros continuava a ser seu trabalho e vida. Olhava para o relógio que
continuava a passar os ponteiros lentamente.
Sentira que já era hora.
Sonhava
com a hora que entraria para o palco de sua felicidade.
Homens de terno preto bateram à porta, uma estranha surpresa
os esperava: um velho vestido de palhaço olhava para a janela sentado em sua
poltrona. Aproximaram-se e o velho apenas sorria, sem nada dizer.
“Olhe lá! Um papel
amarelo em sua mão”, exclamou um deles.
O outro pegou o papel, leu e deu um breve sorriso. Mostrou
ao outro homem de terno preto. Em voz alta começou a ditar:
“O horizonte parece
engraçado.
O menino brinca na
rua, enquanto passam vários carros.
O homem tenta agradar
a mulher desprotegida, oferecendo-lhe um guarda-chuva. E eu apenas sorria da
brincadeira que mais parecia uma briga.
Vejo ali o que perdi.
A que preço me vendi?
A você que um dia vai
me achar: sorria do tempo que não mais há.
Fui encontrar-me com
um mundo em que todos riem comigo. E não apenas do meu umbigo.
Velho sou. Palhaço
fui. Como estou?”
Assim, o palhaço finalmente iniciou o ato dentro do palco de
sua felicidade.
Que coisa linda! Adorei, simplesmente maravilhoso.
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