terça-feira, 27 de novembro de 2012

O Palhaço



O palhaço cansou-se de tantos risos. Ansiava por lágrimas.
Andava sempre perguntando a si: “como posso eu me por, se um dia nem mesmo a dor, consegue passar-se sem impor?”.

O palhaço via o seu falso rosto descer pelo sujo encanamento.

“Grito eu, ou espero ser gritado?”, perguntava-se no seu velho tom engraçado.

O palhaço olhava o tempo passar, mas nem mesmo conseguia entender o porquê. Almejava sempre o carinho da moça que vendia doces. Um dia, sem nada a fazer, perguntou ao seu amigo imaginário – o chamava de “Eu” –:
“Sei ser eu, sem ser eu, Eu?”
“Sabes tu, ser tu, sem ser eu?”, retrucou o amigo.

O palhaço pensou. Por semanas refletiu a mesma pergunta:
“Como irei ser outro alguém, se de mim mesmo sou refém?”

Os dias passavam e o palhaço cansava. Não havia sorriso. Apenas o tímido sorriso de monalisa era real.

Era dono de seu próprio reino, onde ninguém podia entrar, apenas Eu.

“Eu, vistes o sorriso que a moça que vende doces me deu?”
“Tu és palhaço. Um sorriso ou um abraço, nada é real de fato”, respondeu o amigo.

Nunca pensara tanto. “Ninguém sabe o que é sorrir comigo, apenas de mim e meu umbigo. Será que o nariz vermelho que em mim há, há até quando no meu rosto não está?”, perguntava a si. Encolerizava-se constantemente ao pensar que tudo o que vivera até ali não passara de teatro. Ele era a peça.

“Eu, o que posso fazer para como gente comum viver?”
“Tu és palhaço. Tua vida não tem próximo passo, apenas próximo ato”, respondia o amigo fiel.
“Por que és tão infiel, mandando-me ingerir fel pensado que é mel?”, perguntava o palhaço no ápice de sua fúria.
Não sou real, ou disso esquecestes? Sou tu, apenas tu, mostrando que razão palhaço algum um dia teve.”

O amigo nunca machucara tanto o palhaço. Mas nunca o fizera crescer tanto.
Perdoa-me, eu. Sei que sou tu, apenas tu, mas o que mais posso dizer se aquele que nasceu para ser palhaço e outros alegrar, não consegue cantar uma nota solitária sem se machucar?”
“Tudo bem está. Agora olhas a ti. O palhaço feliz tornou-se grande como o pequeno menino que um dia fiz.”

Pensara e percebera que crescera. Mas acima de tudo, notara o que mais importava até então.
“Que sorriso tenho eu?”

Passara toda a sua vida fazendo um ou todos rirem. Alegrava pequenas crianças e lembrava que em uma era distante, menino também fora.
Saudades das andanças nos lugares distantes. Será que ainda sou bom com todos esses instantes?”, perguntara ao amigo imaginário.
Não cabe a ti essa questão indagar. Quem primeiro perguntar ‘o nariz do palhaço frouxo está’, terminará por completar”, respondeu o amigo.

O palhaço passara o resto de sua vida pensando, solitário e envolto em reflexões que pareciam nunca ter um fim.
Velho já estava, palhaço jovem continuava a ser. Alegrar os outros continuava a ser seu trabalho e vida. Olhava para o relógio que continuava a passar os ponteiros lentamente. 
Sentira que já era hora. 
Sonhava com a hora que entraria para o palco de sua felicidade.

Homens de terno preto bateram à porta, uma estranha surpresa os esperava: um velho vestido de palhaço olhava para a janela sentado em sua poltrona. Aproximaram-se e o velho apenas sorria, sem nada dizer.

“Olhe lá! Um papel amarelo em sua mão”, exclamou um deles.
O outro pegou o papel, leu e deu um breve sorriso. Mostrou ao outro homem de terno preto. Em voz alta começou a ditar:
O horizonte parece engraçado.
O menino brinca na rua, enquanto passam vários carros.
O homem tenta agradar a mulher desprotegida, oferecendo-lhe um guarda-chuva. E eu apenas sorria da brincadeira que mais parecia uma briga.
Vejo ali o que perdi. A que preço me vendi?
A você que um dia vai me achar: sorria do tempo que não mais há.
Fui encontrar-me com um mundo em que todos riem comigo. E não apenas do meu umbigo.
Velho sou. Palhaço fui. Como estou?”

Assim, o palhaço finalmente iniciou o ato dentro do palco de sua felicidade.

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