O menino desceu a escada com medo do que havia no andar de
cima. Ficou no canto, esperando outros chegarem e auxiliarem-no em seu receio.
Sempre estivera dividido entre estar acima ou permanecer nos
braços que lhe cabiam.
“O que há acima?”, perguntava-se com constância.
“As palavras não
voltam” era o que o menino ouvia desde cedo.
Seu berço formara-se em meio ao pântano, mas protegido das
criaturas que ali vivera. Nunca tivera contato direto com eles.
Temor era o grande monstro que sempre o impedira de ir além.
“Permanecerei nos
braços que me cabem”, exclamava repetidas vezes a si mesmo.
Temor era o grande horror de sua vida. Nunca soubera como
fazer para encará-lo e finalmente derrubá-lo. Tudo o que possuía em relação ao
Temor era o próprio medo. Medo de subir as escadas. Medo de ligar a luz do
próximo andar.
O menino era confuso. Crescera assim.
Sua maior amiga se chamava Solidão. Mas Temor nunca o deixava em paz, e até mesmo com
sua única amiga nunca deixava ficar.
“Permanecerei nos
braços que me cabem”, continuava a repetir pra si.
Onde crescera havia alguém. Ela o chamava de anjo. Ele a
chamava de Velhinha.
A Velhinha não gostara dele a princípio, mas com o passar do
tempo acabou virando seu protegido. O menino sentia que finalmente tinha
alguém.
Mas o menino, por falta de experiência ou simplesmente por
achar algo tolo a se fazer, nunca conseguira dizer a Velhinha o quanto ela era
importante. Certas vezes ele a magoava e não conseguia se desculpar.
“Permanecerei nos
braços que me cabem” , tolamente continuava a repetir.
Um dia a Velhinha foi embora. Deixou seu quarto e sua cama
por fazer, e sem dizer adeus foi embora.
Naquele dia o menino aprendera algo: “As palavras que não foram nunca voltam”. Não parara um segundo de
repetir essa frase.
O menino voltou a encontrar-se com sua amiga Solidão. O
Temor voltara a incomodá-lo.
Um dia o menino encontrou a Fada Doce. Ela tornara-se sua
grande amiga até um dia tornar-se sua irmã.
Mas o menino não queria tentar entender. Continuava a
repetir sua frase predileta.
“Permanecerei nos
braços que me cabem”, era a única coisa que conseguia pensar.
Um dia a Fada Doce, sua irmã, deixou-o por algo mais doce
que ela mesma.
O menino voltou a repetir para si: “Permanecerei nos braços que me cabem”.
O menino voltou a encontrar-se com a Solidão. Aquele
terrível monstro que sempre tivera medo de enfrentar, ficara cada vez mais
sombrio para ele.
“Nunca conseguirei
enfrentar o Temor”, afirmava para si.
O menino encontrou-se com a sua única amiga, a Solidão, e
decidira ficar confortável em seus braços.
Um dia o menino encontrou a Princesa. Em castelos trocados,
começou a olhar pra si. O menino admirava a
beleza e ternura da Princesa.
Mas um dia, como tudo na vida do menino, a Princesa se foi.
Deixou-o sozinho, na porta do seu longo caminho de solidão.
Solidão, sua grande amiga Solidão.
O menino nunca descobrira o que havia no andar de cima. Após
todos os desencontros que vivera, preferira não tentar mais descobrir.
O Temor não mais o atormentara, mas virou seu grande amigo.
Ali o menino cresceria, nos braços do Temor e Solidão, os
únicos no qual cabia.
Sem querer, o menino virou homem, então.
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