sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Menino



O menino desceu a escada com medo do que havia no andar de cima. Ficou no canto, esperando outros chegarem e auxiliarem-no em seu receio.

Sempre estivera dividido entre estar acima ou permanecer nos braços que lhe cabiam.

“O que há acima?”, perguntava-se com constância.

“As palavras não voltam” era o que o menino ouvia desde cedo.

Seu berço formara-se em meio ao pântano, mas protegido das criaturas que ali vivera. Nunca tivera contato direto com eles.

Temor era o grande monstro que sempre o impedira de ir além.

Permanecerei nos braços que me cabem”, exclamava repetidas vezes a si mesmo.

Temor era o grande horror de sua vida. Nunca soubera como fazer para encará-lo e finalmente derrubá-lo. Tudo o que possuía em relação ao Temor era o próprio medo. Medo de subir as escadas. Medo de ligar a luz do próximo andar.

O menino era confuso. Crescera assim.

Sua maior amiga se chamava Solidão. Mas  Temor nunca o deixava em paz, e até mesmo com sua única amiga nunca deixava ficar.

Permanecerei nos braços que me cabem”, continuava a repetir pra si.

Onde crescera havia alguém. Ela o chamava de anjo. Ele a chamava de Velhinha.

A Velhinha não gostara dele a princípio, mas com o passar do tempo acabou virando seu protegido. O menino sentia que finalmente tinha alguém.
Mas o menino, por falta de experiência ou simplesmente por achar algo tolo a se fazer, nunca conseguira dizer a Velhinha o quanto ela era importante. Certas vezes ele a magoava e não conseguia se desculpar.

Permanecerei nos braços que me cabem” , tolamente continuava a repetir.

Um dia a Velhinha foi embora. Deixou seu quarto e sua cama por fazer, e sem dizer adeus foi embora.

Naquele dia o menino aprendera algo: “As palavras que não foram nunca voltam”. Não parara um segundo de repetir essa frase.

O menino voltou a encontrar-se com sua amiga Solidão. O Temor voltara a incomodá-lo.

Um dia o menino encontrou a Fada Doce. Ela tornara-se sua grande amiga até um dia tornar-se sua irmã.
Mas o menino não queria tentar entender. Continuava a repetir sua frase predileta.
Permanecerei nos braços que me cabem”, era a única coisa que conseguia pensar.

Um dia a Fada Doce, sua irmã, deixou-o por algo mais doce que ela mesma.

O menino voltou a repetir para si: “Permanecerei nos braços que me cabem”.

O menino voltou a encontrar-se com a Solidão. Aquele terrível monstro que sempre tivera medo de enfrentar, ficara cada vez mais sombrio para ele.

Nunca conseguirei enfrentar o Temor”, afirmava para si.

O menino encontrou-se com a sua única amiga, a Solidão, e decidira ficar confortável em seus braços.

Um dia o menino encontrou a Princesa. Em castelos trocados, começou a olhar pra si. O menino admirava a 
beleza e ternura da Princesa.

Mas um dia, como tudo na vida do menino, a Princesa se foi. Deixou-o sozinho, na porta do seu longo caminho de solidão.

Solidão, sua grande amiga Solidão.

O menino nunca descobrira o que havia no andar de cima. Após todos os desencontros que vivera, preferira não tentar mais descobrir.

O Temor não mais o atormentara, mas virou seu grande amigo.
Ali o menino cresceria, nos braços do Temor e Solidão, os únicos no qual cabia.

Sem querer, o menino virou homem, então.

0 comentários:

Postar um comentário